O viver criativo: redescobrindo (todo dia) nossa essência





Viver criativamente... como podemos refletir sobre criatividade nesse cenário atual onde a rapidez é uma das marcas sociais e a urgência e a ansiedade um de seus sintomas?

Imaginemos um viver absolutamente criativo, totalmente apartado de seu meio. Essa situação produziria uma experiência pessoal de estranhamento, onde a realidade externa é sentida como algo totalmente subjetivo. Neste viver, o mundo é somente aquilo que o indivíduo cria.

Em sentido oposto, submeter-se totalmente ao mundo externo e objetivo, faria desaparecer o ser singular e único, tornando-se, esse ser, uma presa da criatividade de outrem. Neste viver, o mundo é somente aquilo que é apresentado ao indivíduo.

Winnicott propõe que “o viver criativo é o que possibilita ao indivíduo sentir que a vida é digna de ser vivida”. A criatividade, neste sentido, estaria, portanto, fundada no sentido da vida e na espontaneidade, que deve ser a marca da relação consigo mesmo e com o mundo. Viver criativamente é a essência do indivíduo saudável. 

Podemos nos perguntar: para qual lado tendem nossas atitudes, ideias, pensamentos? No sentido da adaptação ao meio e suas exigências, ou no sentido do viver criativo?

Um nível de adaptação é desejável, pois que necessitamos viver de forma compartilhada, em sociedade. Cultiva-se, nessa adaptação ativa e saudável, valores éticos do ser: respeito, tolerância, solidariedade, empatia, entre tantos outros.

Entretanto, a partir do momento que essa adaptação inibe o viver criativo, o sujeito passa a adoecer. Submeter-se à realidade externa como “algo a que se ajustar” é indício de adoecimento psíquico, uma vez que traz consigo um sentido de inutilidade pessoal. 

Ajustar-se aos padrões sociais, estéticos, culturais, econômicos, é criar para si valores distorcidos e preconceituosos, promotores de exclusões, segregações, distanciamento, isolamento, solidão; incitando ao medo, à insegurança, à desconfiança, ao individualismo, ao egoísmo...

A proposta do “viver criativo” é poder viver, desde o nascimento até a velhice, de maneira a experimentar “um colorido de toda a atitude com relação à realidade”.  “Estar vivo” em todos os acontecimentos de nossa vida; sentir-se participante da vida; preservar um modo singular na forma de “tocar” o mundo...

Desde o momento do nascimento já é possível experimentar esse viver, quando o bebê tem possibilidade de criar modos de se relacionar com os primeiros acontecimentos de sua existência. O ambiente psíquico inicial, incluindo os cuidados de maternagem, é determinante no estabelecimento desse sentido da vida.

A partir daí, todo um universo de experiências vai se apresentando ao indivíduo. Se for possível continuar dando fluência à sua singularidade, irá experimentar cada vez mais que a vida merece ser vivida e o sentimento de plenitude pode existir. Caso contrário, terá dúvidas sobre o valor do viver, e consequentemente, sobre o valor de si mesmo. E, na dúvida sobre o próprio valor, torna-se atraente aderir àquilo que é desejado pelo outro, para ilusoriamente preservar um mínimo de afetividade – sou aceito...

No cenário social atual, apesar de todos os problemas com os quais nos deparamos cotidianamente, parece que, de alguma forma, vem sendo despertada coletivamente a necessidade de dar um lugar social a esse viver criativo. 

Ações comunitárias surgem como formas de resgate da singularidade, onde somos convidados a partilhar nosso modo de sentir e experimentar o mundo de maneira original.  Algo em comum existe em todas essas novas proposições: além de produzir algo que nos faça feliz, torna-se fundamental que também faça bem ao outro e, ainda, que nos faça alguém melhor!

Presenciamos a multiplicação de uma atitude solidária moderna, não assistencialista, fruto de um incipiente amadurecimento coletivo, que apresenta ao mundo formas de criar uma felicidade empática e sustentável, que produz uma cultura pautada na inclusão, compartilhamento, sustentabilidade, solidariedade. 

Surgem frentes de atividade empreendedora, muitas vezes voluntária, ocupadas no Bem Viver não só de si mesmo e de seu micro grupo familiar, mas de uma coletividade que já somos capazes de conceber.

Parece que estamos aprendendo, aos poucos, que podemos compartilhar a brasa com o vizinho, para que ele também asse a sua sardinha... Não porque estamos preocupados em ser “bonzinhos”. Mas porque estamos nos ocupando cada vez mais em sermos bons.

Vamos assim redescobrindo que nossa essência é fazer o Bem, e que isto cria vida, saúde, bem estar, alegria, segurança, liberdade. Nesse processo, retomar nosso viver criativo é uma tarefa pessoal a ser empreendida durante toda a vida.

Coletivamente, torna-se fundamental reinventar um novo modo de viver em sociedade, que se dá através de nosso próprio processo individual de reinventarmo-nos criativamente, pois se colhemos somente aquilo que plantamos, nossa semeadura, assim fertilizada, produzirá uma felicidade mais perene e compartilhada por todos.

E você, como sente-se em relação ao seu viver criativo?
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